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Exclusivo: CNN flagra venda de listas do INSS com dados de aposentados
Público-alvo são advogados que desejam prospectar clientes que tenham pendências no órgão, como descontos indevidos a reivindicar
Nome completo, CPF, data de nascimento, endereço completo, nome da mãe, valor da aposentadoria, telefones, emails... Por apenas R$ 150 é possível ter uma lista com 500 pessoas cadastradas no sistema do INSS com todos esses dados.
As listas são vendidas para advogados e contemplam todos os estados brasileiros. Um pacote com até 10 mil nomes sai por R$ 450; um estado completo, por R$ 600.
A CNN chegou até uma das empresas que fornece esse tipo de lista. O público-alvo é formado por advogados que usam dos dados para prospectar clientes e abrir processos.
"Infelizmente, nós, advogados, somos assediados diariamente com esse tipo de lista. E não só nós. Quem quiser e pagar vai ter acesso, abrindo assim uma oportunidade imensa para os golpistas agirem”, comenta o advogado Pedro Almeida, especialista em direito previdenciário.
“Eu já atuo frente ao INSS há oito anos e posso garantir que os descontos das aposentadorias são apenas a ponta do iceberg de um INSS totalmente frágil, vulnerável e com um sistema de segurança crítico", afirma Almeida.
Com prévias das listas vendidas em mãos, a CNN entrou em contato com aposentados de São Paulo, Rio de Janeiro e Florianópolis.
A reportagem constatou que a lista contém dados reais, com a confirmação das informações duas aposentadas e uma pensionista do INSS que estavam nas prévias recebidas.
As tabelas comercializadas têm, inclusive, um filtro por descontos de associação, com valores de parcelas, nome da associação e data de início do pagamento ou adesão ao sindicato.
Elas têm até 46 colunas com dados pessoais de cada um dos aposentados e pensionistas e não só os dados de descontos associativos, mas também dados restritos ao sistema do INSS e Dataprev, como data de início do benefício, margem disponível para novos empréstimos consignados e total de contratos de empréstimos ativos.
A CNN confirmou que as listas circulam com pelo menos três advogados de três estados diferentes.
O uso desses compilados de dados obtidos de forma ilegal é vetado pela OAB.
O artigo 39 do Código de Ética e Disciplina diz que "a publicidade profissional do advogado tem caráter meramente informativo e deve primar pela discrição e sobriedade, não podendo configurar captação de clientela ou mercantilização da profissão".
A ação ainda fere a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que impede o uso de informações pessoais sem o consentimento dos titulares dos dados.
A empresa que comercializa as listas é a "Nexus Soluções em Assessoria Jurídica", que se identifica como "assessoria especializada em gerar vendas para advogados" e diz atender "mais de 710 advogados" em todo o Brasil.
A CNN simulou uma compra com o atendente da empresa e obteve prévias com os dados de pessoas que teriam tido descontos associativos nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina.
A empresa também enviou uma prévia com dados de seis pessoas que tiveram benefícios do INSS negados no Rio de Janeiro.
Imaginando que conversava com um advogado, o atendente da empresa que vende as listas passa então a dar detalhes da transação e informações para "passarem confiança" ao possível comprador.
"A lista de descontos indevidos do INSS é muito boa, está em alta mesmo", diz ele.
A tabela de valores para este caso começa em R$ 150 com 500 nomes. A compra de dados de mil aposentados sai por R$ 250; 5 mil nomes por R$ 350; 10 mil nomes por R$ 450 e o “estado todo” sai por R$ 600.
• Reprodução
O vendedor afirma que a empresa trabalha com advogados fixos que compram listas semanalmente ou quinzenalmente e que atuam nesse mercado há dois anos.
Durante a conversa, o atendente da empresa recomenda a compra de um pacote de 500 nomes de pessoas com descontos indevidos, para começar a prospecção de clientes.
"Eu acho melhor adquirir o pacote menor, daí o doutor trabalha nesse pacote uma semana, daí se 'der boa', que eu tenho certeza que vai dar, o senhor retorna e daí pega mais, uma demanda maior, entendeu? Que acho que é mais fácil, daí costuma também, pega o jeito do negócio, fica bom", disse ele em mensagem de áudio.
Questionado sobre como conseguia os dados, ele respondeu: "Temos uma equipe responsável pela captação e depois apuram os dados com um pessoal dentro da previdência".
Crimes e punições
"Os fatos trazidos pela reportagem são mesmo de extrema gravidade, exigindo veemente repúdio da sociedade e, mais do que isso, a devida apuração pelas autoridades competentes a fim de que se punam responsáveis por esse tipo de prática indevida", comentou o Relator-Presidente da 3ª turma do Tribunal de Ética da OAB-SP, Maurício Felberg.
Especialista em Ética Profissional, Felberg ainda chama atenção para crimes eventualmente cometidos pelos envolvidos na comercialização dos dados pessoais.
"Esse tipo de prática pode, também, tangenciar a própria esfera penal, se houver concurso de agentes para fins ilícitos e indevidos. E por essa razão é que se espera que as investigações perante a Polícia Federal, a Controladoria-Geral da União e o Ministério Público tenham andamento e tenham conclusão para que todos os responsáveis por essa prática sejam efetivamente punidos", diz.
Ações do INSS
Diante da reportagem da CNN, o presidente do INSS, Gilberto Waller, determinou uma série de medidas para investigar e combater os eventuais vazamentos de informações pessoais de aposentados e pensionistas.
A Nexus Soluções, citada na reportagem, também foi contatada pela CNN, que questionou onde os dados são obtidos, por que a empresa fere as leis brasileiras e se não temem serem alvos de uma investigação ou punição por isso.
A resposta foi: "Nem vou perder meu tempo com quem não tem conhecimento".
*Com colaboração de Vitor Bonets